Prometido como alternativa acessível, modalidade movimenta R$ 14 bilhões, mas revela lacunas críticas de orientação e educação financeira entre trabalhadores formais
Lançado como uma linha de crédito simplificada e com juros atrativos para trabalhadores com carteira assinada, o consignado CLT já movimentou mais de R$ 14 bilhões desde sua implementação. No entanto, uma nova pesquisa da Abefin (Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira) em parceria com o Instituto Axxus revela um cenário que exige atenção: a modalidade vem sendo utilizada com pouco planejamento, motivada por urgência e carência de orientação.
Por que os brasileiros estão contratando o consignado CLT?
A pesquisa ouviu 800 pessoas — metade contratantes, metade simuladores — e revelou que:
- 36% contrataram o crédito para quitar dívidas mais caras, como rotativo do cartão de crédito;
- 29% recorreram ao empréstimo para despesas médicas;
- 26% usaram o recurso em reformas residenciais.
A Abefin destaca que, em vez de promover reorganização financeira, o crédito tem servido como solução paliativa, trocando dívidas mais severas por outras de prazo mais longo, mas ainda onerosas.
Juros mais baixos? Nem sempre
Apesar da promessa de juros reduzidos, a taxa pode chegar a 7% ao mês — um percentual elevado se comparado ao CDC ou ao crédito automotivo. Muitos contratantes sequer tinham conhecimento dessa realidade:
- 83% não sabiam quanto pagariam de juros;
- 69% não calcularam o impacto das parcelas no orçamento mensal.
Ainda assim, 87% disseram não se arrepender da contratação — um número que, segundo o estudo, revela mais desconhecimento do que satisfação real.
Crédito por impulso e sem comparação
Outro dado preocupante é que 19% dos entrevistados utilizaram o crédito para compras de bens de consumo, como eletrodomésticos e veículos. Essas decisões, em geral, foram feitas sem comparação de taxas, sem considerar alternativas de financiamento e, principalmente, sem planejamento prévio.
Falta de orientação agrava o problema
A pesquisa mostra que mais da metade dos tomadores (54%) não recebeu nenhum tipo de orientação antes de contratar o crédito. Entre os que buscaram informações:
- 24% recorreram à internet;
- 9% se aconselharam com amigos;
- Apenas 5% obtiveram dados nos canais oficiais da instituição financeira.
“A estrutura transfere ao trabalhador toda a responsabilidade da decisão, mesmo diante de um cenário de assimetria informacional clara”, observa o relatório da Abefin.
O papel do FGTS como garantia: sinal de alerta
A crescente utilização do FGTS como colateral também preocupa especialistas.
- 89% dos entrevistados sabiam que o fundo seria vinculado ao contrato, mas ainda assim avançaram com a contratação.
Para a Abefin, trata-se de um uso banalizado de uma reserva crítica. O FGTS, originalmente voltado a momentos de vulnerabilidade como demissão ou aposentadoria, está sendo consumido em trocas por liquidez imediata — muitas vezes mal direcionada.
Os indecisos: bomba-relógio silenciosa
Mesmo entre os que apenas simularam o crédito e não o contrataram, o desconhecimento prevalece:
- 67% não avaliaram o impacto das parcelas no orçamento;
- 53% desconheciam os juros máximos aplicáveis.
Entre os motivos para simular o crédito, destacam-se:
- Avaliar a viabilidade do empréstimo (42%);
- Necessidade urgente de recursos (29%);
- Facilidade de acesso (25%);
- Substituição de dívidas mais caras (19%).
No entanto, apenas 4% pretendem buscar orientação financeira profissional no futuro. A Abefin classifica esse grupo como vulnerável: “Não contratar, nesse contexto, não significa prudência, mas indecisão motivada por desinformação”.
Modelo falho exige resposta institucional
O estudo conclui que o consignado CLT, embora legítimo em determinadas situações, está sendo ofertado em um modelo que não garante proteção ao consumidor. A combinação entre urgência financeira, ausência de transparência e falta de suporte educativo transforma a solução em um potencial risco sistêmico.
Entre as recomendações propostas pela Abefin estão:
- Criação de campanhas obrigatórias de educação financeira;
- Simulações claras com detalhamento do Custo Efetivo Total (CET) e comparação com outras linhas;
- Implementação de uma plataforma pública de comparação de taxas, nos moldes de simuladores habitacionais;
- Fortalecimento da fiscalização das práticas de oferta e comunicação das instituições financeiras.
Conclusão
A expansão do crédito consignado CLT revela uma realidade ambígua: ao mesmo tempo em que oferece acesso rápido a recursos, expõe trabalhadores formais a decisões financeiras mal informadas, com consequências de longo prazo.
Sem ajustes estruturais, o que deveria ser uma ferramenta de apoio pode se transformar em mais um catalisador do endividamento crônico no Brasil.